sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Empresas latino-americanas são inovadoras, afirma especialista

A professora da escola de negócios Insead, Lourdes Casanova, estuda há mais de uma década o processo de internacionalização das empresas latino-americanas. Em seu livro Global Latinas: Latin America’s emerging multinationals, lançado recentemente e ainda sem tradução para o português, ela analisa os fatores que tornaram possível às grandes e médias empresas latino-americanas inovarem e expandirem seus negócios em mercados estrangeiros.

Em entrevista, ela diz que as grandes multinacionais da América Latina têm em comum uma imensa capacidade de inovar e superar crises. “As empresas que se consideravam melhores e que tinham acesso a produtos financeiros mais sofisticados são as que mais estão sofrendo com a atual crise. Já outras, mais conservadoras e que seguiram seu instinto de sobrevivência burilado em muitas crises, são as que estão se saindo melhor”, complementa.

Lourdes na manhã de 19 de agosto, na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), participando do 2º Fórum IEL de Gestão Empresarial, promovido pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL). Na ocasião, abordará o papel a ser desempenhado pelo Brasil e América Latina na economia global.

Ela tem mestrado pela Universidade de Southern Califórnia e PhD pela Universidade de Barcelona. É professora do Insead desde 1989, professora visitante na Universidade de Zurique, consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de consultora de empresas multinacionais sediadas na América Latina.

Confira a entrevista concedida por Lourdes Casanova.

As multinacionais latino-americanas têm superado mais facilmente a crise em relação às empresas de países desenvolvidos?

Sim. Neste momento todas as empresas precisam cortar gastos e acelerar suas decisões. Geralmente uma multinacional tradicional é muito burocrática. Por isso, a vantagem está se invertendo para empresas emergentes da América Latina e de outros países.

Como é o impacto da crise nas multinacionais latino-americanas?

De forma estranha. As que se consideravam melhores e que tinham acesso a produtos financeiros mais sofisticados são as que estão sofrendo mais com a atual crise. Já outras, mais conservadoras e que seguiram seu instinto de sobrevivência burilado em muitas crises, são as que estão indo melhor.

Quais as etapas que o Brasil e a América Latina precisam enfrentar para superar a crise?

O Brasil tem know how para superar crises muito fortes e, como os grandes países, tem a possibilidade de aumentar a demanda interna de forma significativa.

Como tem sido o crescimento das empresas brasileiras na economia mundial?

As multinacionais brasileiras têm crescido, mas não ao mesmo tempo que o restante das empresas dos países emergentes. Elas não têm crescido como as chinesas, por exemplo. Os chineses têm uma política ativa e firme. Há três empresas chinesas entre as dez de maior capitalização de mercado. Somente uma brasileira: a Petrobras. Há um desequilíbrio entre a presença econômica do Brasil e a presença de suas empresas entre as maiores do mundo. Os brasileiros ainda são muito tímidos.

Quais as oportunidades para as empresas brasileiras?

O Brasil tem muitos recursos naturais. Ter recursos naturais pode ser uma benção ou uma maldição. Creio que, para o Brasil, seja uma benção. O país é a segunda potência agrícola do mundo. Isso é muito positivo. O Brasil tem que aproveitar essa força e saber utilizá-la para criar inovação. O setor de produtos verdes (ecologicamente corretos) é muito importante.

Quais os diferenciais das multinacionais brasileiras e latino-americanas às de outros países?

Além de saber superar crises, conhecem muito bem as necessidades da base da pirâmide social, os segmentos D e E da população. Têm agilidade para tomar decisões de forma muito rápida em relação às multinacionais tradicionais.

Há nos países latino-americanos muitos negócios familiares. Como essas empresas enfrentam a crise?

Os negócios familiares têm visão de longo prazo e vão seguir como um segmento importante. Percebo que os membros das famílias estão se voltando para os negócios familiares e um sistema de decisão centralizado é muito eficaz em tempos de crise, porque essas empresas podem se recuperar de forma mais rápida e mais centralizada.

A senhora considera as multinacionais latino-americanas inovadoras?

Muito inovadoras. Escolas de negócios da Europa e Estados Unidos têm sido cegas porque têm visto apenas a inovação tecnológica. Ela é importante, mas há muitos outros tipos de inovação. Não temos visto muitos casos de inovação de países emergentes, mas com certeza temos muitas experiências de sucesso. O etanol é um caso claro de inovação...

Por um lado, o Brasil conquista espaço no mercado internacional em setores de alta tecnologia, como petróleo e aeronáutico, mas por outro, perde mercado interno em setores tradicionais para os produtos chineses. Como vencer essa contradição e se recuperar no mercado interno?

No setor de calçados temos um exemplo incrível que são as sandálias Havaianas. Em um setor que está sofrendo muita concorrência da China, esses calçados, que eram usados por pessoas da base da pirâmide, passaram a ser comprados por todo o mundo. A empresa se deu conta de que poderia ser moderna e atraente para as classes mais altas. Minhas amigas, quando sabem que venho ao Brasil, pedem que compre sandálias Havaianas para elas. Com inovação e design, acredito que empresas brasileiras de roupas e calçados podem triunfar e superar a concorrência chinesa.

A senhora defende que o Brasil tem oportunidades em setores como o de energias renováveis e de Tecnologia da Informação. De que forma não perder essa oportunidade de se destacar no mercado internacional nesses segmentos?

Falta ao Brasil uma imagem de marca. A China é lembrada pela manufatura; a Índia, pelo setor de Tecnologia da Informação (TI). O Brasil tem uma oportunidade de ouro de ter uma imagem associada à energia renovável, produtos da Amazônia e setor de alimentos. Encanta-me a comida e a música brasileira. As indústrias daqui são criativas. O Brasil precisa mostrar ao mundo que não é apenas samba e futebol. A Copa do Mundo de 2014 é uma oportunidade de se construir uma marca para o Brasil. Sabemos que os bancos brasileiros são os melhores do mundo em TI. O Brasil teve seu setor financeiro menos afetado pela crise porque é forte e usa muita tecnologia. Os outros países não sabem disso.

De que forma vencer esses desafios?

Creio que falta mais trabalho conjunto entre os setores público e privado.

Que aspectos chamam mais atenção em empresas brasileiras que se inseriram no mercado internacional?

Uma dessas empresas é a Embraer, do setor aeronáutico. É um negócio global porque o segmento é global. Vale a pena um país com tantos problemas sociais manter uma empresa como a Embraer? Creio que sim, pois traz muita inovação, atrai talentos etc. A Petrobras também é muito importante para o Brasil porque atrai tecnologia. O ex-ministro Luiz Fernando Furlan já dizia que não conhece nenhum grande país que não tenha empresas fortes.

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